O Mundo às avessas:
O artigo da nossa vergonha… Editorial
do Jornal de Angola
Património em risco 08 de Fevereiro, 2012 Os ministros da CPLP estiveram reunidos em Lisboa, na nova sede da organização, e em cima da mesa esteve de novo a questão do Acordo Ortográfico que Angola e Moçambique ainda não ratificaram.
Peritos dos Estados membros vão continuar a
discussão do tema na próxima reunião de Luanda. A Língua Portuguesa é
património de todos os povos que a falam e neste ponto estamos todos de
acordo. É pertença de angolanos, portugueses, macaenses, goeses ou
brasileiros. E nenhum país tem mais direitos ou prerrogativas só porque
possui mais falantes ou uma indústria editorial mais pujante. Uma velha
tipografia manual em Goa pode ser tão preciosa para a Língua Portuguesa como
a mais importante empresa editorial do Brasil, de Portugal ou de Angola.
O importante é que todos respeitem as diferenças e
que ninguém ouse impor regras só porque o difícil comércio das palavras assim
o exige. Há coisas na vida que não podem ser submetidas aos negócios, por
mais respeitáveis que sejam, ou às "leis do mercado". Os afectos
não são transaccionáveis. E a língua que veicula esses afectos, muito menos.
Provavelmente foi por ter esta consciência que
Fernando Pessoa confessou que a sua pátria era a Língua Portuguesa.
Pedro Paixão Franco, José de Fontes Pereira, Silvério Ferreira e outros intelectuais angolanos da última metade do Século XIX também juraram amor eterno à Língua Portuguesa e trataram-na em conformidade com esse sentimento nos seus textos. Os intelectuais que se seguiram, sobretudo os que lançaram o grito "Vamos Descobrir Angola", deram-lhe uma roupagem belíssima, um ritmo singular, uma dimensão única. Eles promoveram a cultura angolana como ninguém. E o veículo utilizado foi o português.
Queremos continuar esse percurso e desejamos que os
outros falantes da Língua Portuguesa respeitem as nossas especificidades.
Escrevemos à nossa maneira, falamos com o nosso sotaque, desintegramos as
regras à medida das nossas vivências, introduzimos no discurso as palavras
que bebemos no leite das nossas Línguas Nacionais. Sabemos que somos falantes
de uma língua que tem o Latim como matriz. Mas mesmo na origem existiu a via
erudita e a via popular. Do "português tabeliónico" aos nossos
dias, milhões de seres humanos moldaram a língua em África, na Ásia, nas
Américas.
Intelectuais de todas as épocas cuidaram dela com o mesmo desvelo que se tratam as preciosidades. Queremos a Língua Portuguesa que brota da gramática e da sua matriz latina.
Os jornalistas da Imprensa conhecem melhor do que
ninguém esta realidade: quem fala, não pensa na gramática nem quer saber de
regras ou de matrizes. Quem fala quer ser compreendido. Por isso, quando
fazemos uma entrevista, por razões éticas mas também técnicas, somos
obrigados a fazer a conversão, o câmbio, da linguagem coloquial para a
linguagem jornalística escrita. É certo que muitos se esquecem deste aspecto,
mas fazem mal. Numa entrevista até é preciso levar aos destinatários
particularidades da linguagem gestual do entrevistado. Ninguém mais do que os
jornalistas gostava que a Língua Portuguesa não tivesse acentos ou consoantes
mudas. O nosso trabalho ficava muito facilitado se pudéssemos construir a
mensagem informativa com base no português falado ou pronunciado. Mas se
alguma vez isso acontecer, estamos a destruir essa preciosidade que herdámos
inteira e sem mácula. Nestas coisas não pode haver facilidades e muito menos
negócios.
E também não podemos demagogicamente descer ao nível
dos que não dominam correctamente o português. Neste aspecto, como em tudo na
vida, os que sabem mais têm o dever sagrado de passar a sua sabedoria para os
que sabem menos. Nunca descer ao seu nível. Porque é batota! Na verdade nunca
estarão a esse nível e vão sempre aproveitar-se social e economicamente por
saberem mais.
O Prémio Nobel da Literatura, Dário Fo, tem um texto
fabuloso sobre este tema e que representou com a sua trupe em fábricas,
escolas, ruas e praças. O que ele defende é muito simples: o patrão é patrão
porque sabe mais palavras do que o operário! Os falantes da Língua Portuguesa
que sabem menos, têm de ser ajudados a saber mais. E quando souberem o
suficiente vão escrever correctamente em português.
Falar é outra coisa. O português falado em Angola
tem características específicas e varia de província para província. Tem uma
beleza única e uma riqueza inestimável para os angolanos mas também para
todos os falantes. Tal como o português que é falado no Alentejo, em Salvador
da Baía ou em Inhambane tem características únicas. Todos devemos preservar
essas diferenças e dá-las a conhecer no espaço da CPLP.
A escrita é "contaminada" pela linguagem
coloquial, mas as regras gramaticais, não. Se o étimo latino impõe uma
grafia, não é aceitável que através de um qualquer acordo ela seja
simplesmente ignorada. Nada o justifica. Se queremos que o português seja uma
língua de trabalho na ONU, devemos, antes do mais, respeitar a sua matriz e
não pô-la a reboque do difícil comércio das palavras.
Álvaro Barroso
|
||
Há tantos
burros mandando em homens de inteligência, que às vezes fico pensando, se a burrice
não será uma ciência.
António Aleixo
|
quinta-feira, 22 de março de 2012
(des)acordo ortográfico - assim desandamos!!!!!
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário